1. APROVAÇÃO POR UNANIMIDADE DE PARECER CONTRÁRIO AO PL 2.511/2015
Reunião da Comissão de Direito Tributário do IAB, com aprovação por unanimidade de meu parecer contrário ao PL 2.511/2015, do deputado Alexandre Baldy, que cria uma descabida isenção de IPI.
2. O GLOBO - 02 DE JUNHO DE 2017
Diretas já para quem?
O Brasil já tem eleição direta, instituto, como todos sabemos, previsto na Constituição Federal em vigor e regulamentado pela Legislação infraconstitucional. O calendário eleitoral prevê eleições diretas para Presidente da República a cada quatro anos, a próxima devendo ocorrer em setembro de 2018.
O que significa dizer que a situação de hoje é completamente diferente da de 1984, momento das "Diretas Já", em que o País saía de um período de exceção para o reencontro com o Estado de Direito. Vale lembrar que este Estado Democrático de Direito foi consagrado pela Assembleia Constituinte que, democraticamente, redigiu, votou e aprovou a Carta de 1988, esta mesmo que prevê as eleições diretas para presidente e demais esferas do Executivo.
Portanto, o fato de os eleitores da chapa Dilma-Temer (ou uma parte deles, ao menos) terem ido às ruas pedir "Diretas Já" só pode ser entendido como um casuísmo oportunista. Que intuito, não devidamente explicitado, motivaria o movimento?
A pergunta é pertinente, pois está claro que, para o presidente Michel Temer ser afastado - é o que todos os cidadãos de bem esperam, sobretudo aqueles que pediram o impeachment de Dilma, também por crime de responsabilidade - não é necessário que se emende a Constituição.
Então, reitera-se a indagação, de caráter, reconheça-se, eminentemente retórico: é para que um candidato de sua preferência (da preferência desses que elegeram Dilma-Temer há dois anos e meio) seja eleito de imediato?
Muito bem, e se o eleito for outro, de campo programático e ideológico oposto, na verdade, diametralmente oposto, como nos autorizam as pesquisas a especular, pedirão esses novamente a mudança da Constituição, a revisão das regras, para que a Presidência seja ocupada por aquele que é de seu feitio?
A melhor maneira de ser preservar uma democracia é respeitando as regras já previstas. É desta forma que se fortalecem as instituições. Daí porque soam igualmente ingênuas ou muito mal intencionadas as vozes que, neste momento, clamam por uma nova Constituinte.
Ora, nada garante que parlamentares eleitos agora especialmente para redigir uma nova Constituição (por que seriam esses mais capacitados técnica e moralmente do que os atuais?) conseguiriam produzir algo melhor do que já temos. Não que a atual Carta seja perfeita, mas simplesmente porque não há Ordenamento perfeito.
Acrescente-se ao problema o evidente risco de, num momento de forte polarização como o que vivemos hoje, produzir-se uma "jabuticaba", anulando conquistas trazidas em 1988, após intensos debates e muita luta.
O Brasil não precisa de novas regras. Temos uma profusão sem fim delas. O Brasil precisa é aprender a respeitar as normas que já existem. Isso vale para o Presidente da República e também para o simples cidadão que avança o sinal com o seu carro ou joga o seu lixo na sarjeta.
Nilson Mello é jornalista e advogado
3. MONITOR MERCANTIL - 29 DE JULHO DE 2017
O pós Dilma e Temer
Pergunta recorrente nas últimas semanas é se foi um avanço ter afastado Dilma para agora assistir ao afastamento de Temer? Sim, foi um avanço. Pela legalidade, comprovada no processo de impeachment, afastou-se a titular. Era o que deveria ser feito. E, também pela legalidade, afasta-se o seu substituto, se os fatos e a Lei assim o autorizarem. Trata-se de um processo de depuração inerente ao fortalecimento da democracia.
Há ainda um efeito adicional nada desprezível: o fato de o impedimento de Dilma ter exposto Temer e a ala podre do PMDB contribui para o progresso institucional. Não justificaria o afastamento da titular, evidentemente, mas conta para o saldo positivo.
O contexto é de inflexão da trajetória política brasileira. A sociedade decidiu dar um basta à corrupção. A classe política está sob vigilância. Aliás, o eleitor acompanhará atentamente a conduta da Câmara e de seu presidente em relação ao pedido de abertura de processo contra o atual presidente da República.
Retomando a questão do impeachment, tivesse Dilma feito um grande governo, ao invés de ter perpetrado a mais profunda e longeva recessão que o país já enfrentou, teríamos todos lamentado a sua saída prematura, porém, ainda assim, o seu impeachment seria um imperativo da legalidade. Se um governante age contrariamente à Lei, deve ser afastado.
Mas é claro que esse suposto conflito é mera especulação hipotética, uma elucubração teórica, pois seria impossível fazer um grande governo solapando a responsabilidade fiscal, desmontando os alicerces da economia, "reinventando a roda" com a malfadada "nova política macroeconômica". Irresponsabilidade fiscal e boa gestão da máquina pública - agora, às duras penas, o Brasil deve ter aprendido - são caminhos incompatíveis e excludentes.
O desastre econômico, herança maldita da administração Dilma Rousseff, talvez explique a maior intolerância da sociedade em relação a ela e ao seu governo, comparativamente ao de seu substituto. A população que foi massivamente às ruas pedir o afastamento da presidente prefere, neste momento, assistir da poltrona ao calvário de Temer - uma postura que pode perfeitamente mudar, se houver risco de retrocesso.
Aqui não há juízo de valor, apenas abordagem descritiva de um fato incontestável, sem qualquer tipo de prescrição dogmática. Que o brasileiro rejeita Temer, não há dúvida - e as pesquisas comprovam isso. Mas, reconheça-se, era de Dilma e do PT que ele tinha pressa em se ver livre. É o que os fatos demonstram. Mas por que razão?
Não é o caso de se culpar a mídia. Jornais, rádio e TV têm bombardeado diariamente o atual governo, com ampla e privilegiada cobertura - como não poderia deixar de ser - das acusações que lhe são imputadas. Tanto quanto fizeram com Dilma. A alegação de imprensa golpista não cabe mais. A resposta até poderia ser dada pelo próprio PT, numa honesta autoavaliação sobre o seu período no poder, com especial atenção aos episódios do Mensalão e da Lava Jato, bem como à crise econômica.
Mas aqui, novamente, estamos diante de mera conjectura, de hipótese improvável. Pois, se um mea culpa não é capaz de mudar a opinião da grande parcela do eleitorado que rejeita a legenda, e se o discurso de vítima ainda pode render frutos, sobretudo, porque, no palanque, deverá estar um hábil sedutor de massas, não há razões práticas e políticas para uma mudança.
Portanto, o que importa saber agora é quem apresentará, em contra-ponto, o discurso racional. E a quem o eleitor vai, majoritariamente, aderir: à ilusão ou à racionalidade econômica?
Por Nilson Mello
(Obs: Este artigo foi publicado originalmente no jornal Monitor Mercantil, em 29 de junho de 2017. https://monitordigital.com.br/o-p-s-dilma-e-temer )
4. PARECER SOBRE O PROJETO DE LEI 67886 - 15 DE JUNHO DE 2017
Meu Parecer sobre o PL 6786, de autoria do deputado Alessandro Molon, destinando percentuais das multas judiciais para modernização do Judiciário , aprovado por unanimidade nesta quarta-feira na Comissão de Direito Financeiro e Tributário do IAB. Um PL bem redigido e tecnicamente estruturado, como são os de Molon, facilita o trabalho de todo relator
5. ESTADO DE S.PAULO - 09 DE FEVEREIRO DE 2010
O Socialismo Tributário Brasileiro
Peter Drucker, o maior teórico da administração e para quem uma empresa era uma organização social, dizia que a União Soviética se tornara uma sociedade não econômica, sem liberdade e permanentemente negativa. Podemos interpretar essas definições.
Não econômica porque as leis da economia não prevaleciam. Sem liberdade porque, para ignorar as leis econômicas, indispensáveis à eficiência, foi necessário muito autoritarismo. E negativa porque, ao planejar a economia, anulou o ímpeto individual, que é o melhor propulsor do desenvolvimento. A União Soviética ruiu.
O Brasil tornou-se um país de carga tributária excessiva em parte pela assimilação de uma concepção socialista de Estado, de caráter planejador, paternalista e previdenciário. Essa concepção permeou praticamente todos os governos no poder desde a Proclamação da República, incluindo o período militar, de 1964 a 1985.
Se olharmos o conteúdo e não apenas os rótulos, veremos que o governo Ernesto Geisel foi certamente mais socialista do que a social-democracia tucana.
Em suma, não tivemos o socialismo real e radical - por sinal em extinção no mundo, salvo tentativas claudicantes, como a Venezuela de Hugo Chávez, ou ditaduras renitentes, como a de Cuba. Mas tivemos e continuamos a ter excessivas doses de dirigismo e intervencionismo estatal como legados de uma visão socialista.
Vejamos alguns dados. De janeiro a novembro do ano passado, o governo arrecadou R$ 54 bilhões em tributos a mais, na comparação com 2006. Mesmo sem a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) - que foi rejeitada pelo Senado e não ajudará a engordar os cofres em 2008 -, serão mais de R$ 21 bilhões acrescidos às receitas governamentais em 2007 (sem contabilizar o pacote anunciado dia 2/1 pelo ministro Guido Mantega).
Além disso, calcula-se que sem a CPMF cerca de R$ 40 bilhões retornarão à economia neste ano, com impacto positivo sobre a própria arrecadação - o que ajudaria o governo a compensar a perda desse tributo.
Muito bem. É possível não apenas compensar perdas de receitas, como aumentar a arrecadação pela redução ou retirada de tributos. O “excelente momento” da economia, para usar uma expressão do presidente Lula, permitiu que a arrecadação do Imposto de Renda (IR) Pessoa Física crescesse, em 2007, 50,89%; a do IR Pessoa Jurídica, 17,88%; e a da Contribuição sobre o Lucro Líquido (CSLL), 16,20%.
A economia vive um bom momento por conta de um ambiente externo favorável e ainda por causa da estabilidade iniciada no governo anterior - algo que o governo Lula teve a lucidez de manter, contrariando velhos dogmas do PT.
Mas a economia poderia funcionar melhor não fosse a pesada carga tributária, que ultrapassa os 37% do PIB. Haveria mais dinheiro para impulsionar os negócios e, indiretamente, mais receitas para o governo fazer os investimentos necessários. E o mais importante: receitas geradas de forma saudável, mantendo o contribuinte na formalidade.
Neste sentido, é sempre oportuno lembrar que a redução da carga tributária traz a óbvia e conseqüente diminuição da sonegação - que, por si só, já contribuiria para o aumento da arrecadação.
A economia brasileira cresce menos do que a de outros países emergentes, como sabido, por causa dos seus gargalos intervencionistas, entre eles o tributário. Não chegamos a ser uma sociedade negativa, como definiu Drucker, mas, na esteira do dirigismo, comprometemos nosso crescimento.
A elevação de impostos anunciada no mês passado, como forma de compensar a perda das receitas da CPMF, é injustificável. Existem, como se viu, meios não nocivos de compensar perdas de receitas, entre eles a melhor gestão dos recursos já disponíveis. Aparentemente, o pacote atinge preferencialmente o setor bancário, mas, no final, todos os contribuintes acabam pagando.
O discurso para aumentar tributos no Brasil é e sempre foi o de Robin Hood: promover justiça social e diminuir a pobreza. Na prática, contudo, não é o que acontece. Até aqui o autoritarismo tributário só tem aumentado nossos problemas, em vez de reduzi-los.
6. PÁGINA 06 - O GLOBO - 11 ABRIL DE 2011
Sem Atropelos
A derrubada da aplicação da Lei da Ficha Limpa para as eleições de 2010 pelo Supremo Tribunal Federal (STF) nos colocou diante de um conflito. A lei de iniciativa po pular,que evidentemente é muito bem-vinda, mexe com o processo eleitoral do país. E a Constituição Federal veda mudanças nas regras das eleições um ano antes do pleito (Artigo 16).
Como a lei foi aprovada em junho do ano passado, não poderia ser aplicada em 2010 — e chega aser surpreendente que o Tribunal Superior Eleitoral e ministros do STF, seguindo o clamor das ruas, tenham tido entendimento contrário, ainda que reconheçamos que o Direito não seja uma ciência exata e, por isso, esteja sujeito a amplas interpretações.
O Supremo, com o voto do recém-empossado ministro Luiz Fux, pode ter momentaneamente frustrado a vontade de parcela esclarecida da sociedade, que espera amoralização de sua classe política. Mas votar de forma contrária seria passar por cima da Constituição e, em última análise, também agir contrariamente aos interesses da sociedade.
Não se trata de filigrana jurídica, ou de apreço desmedido pelo formalismo. Se o Brasil tem, como sabemos, longo histórico de desordem e de ilegalidade, não é por falta de leis, mas sim porque aqui não se aplica enão se respeita a legislação já existente — independentemente de as normas legais serem boas ou más. A propósito, seria até melhor que tivéssemos um númeromenor de leis e normas — e que elas fossem mais razoáveis —, mas que as seguíssemos de forma incondicional. Por exemplo: as exigências legais impostas ao empreendedor brasileirosão uma afronta à produtividade de nossa economia e deveriam ser permanente objeto de revisão e reformulação. (Não é por outra razão que estamos na rabeira do ranking mundial da competitividade, no 58o - lugar entre os países).
Convém ressaltar, contudo, que o Artigo 16, impondo o princípio da anterioridade, é um dispositivo importante dentro do sistema, pois blinda o processo eleitoral das ações oportunistas e casuísticas que geralmente beneficiam uns poucos detentores do poder em detrimento da coletividade. Se há conteúdo contraproducente na Constituição —em especial no que diz respeito às relações econômicas — esse certamente não é caso do do dispositivo citado.
Além disso, alterar leis e emendar a Constituição sempre que necessário é algo bem diferente de ignorá-las. E mudanças nas leis cabem ao Legislativo, não ao Judiciário. Sim, nosso Legislativo éde baixo nível, mas é o que podemos ter no momento como correspondência de nosso eleitorado, ainda desqualificado.
Portanto, o voto do ministro Luiz Fux é uma manifestação de coerência, que moraliza o sistema jurídico e as instituições. Contornar a lei para alcançar objetivos que entendemos serem nobres é postura incompatível com o estado de direito em consolidação no Brasil. Temos um longo caminho à frente. Sem atropelos.
7. CADERNO ESPECIAL MONITOR MERCANTIL - DEZEMBRO DE 2010
Uma estratégia no setor de transportes
O fluxo do comércio exterior pelos portos brasileiros saltou de 506 milhões de toneladas, em 2001, para alcançar quase 800 milhões de toneladas ao término deste ano. Daqui a quatro anos, o volume deve beirar 1 bilhão de toneladas, com previsão de dobrar em mais dez anos.
Nos aeroportos, o número de viagens cresce a uma taxa de 10% ao ano. O movimento aumentou 80% de 2003 a 2009 e hoje já são 130 milhões de passageiros passando anualmente pelos terminais aéreos nacionais. No segmento de cargas aéreas, recente estudo da McKinsey diagnosticou congestionamento de importantes terminais, como Guarulhos (SP), Viracopos (Campinas/SP) e Confins (Belo Horizonte).
Os números impressionam porque são reveladores do dinamismo da economia brasileira, que vem crescendo ano a ano apesar dos abalos internacionais e das restrições internas, mas também servem de alerta para a necessidade de o país estabelecer uma estratégia para modernização de sua infraestrutura de transportes.
A omissão em definir programas de investimentos compatíveis com a crescente demanda por transportes e logística significa potencializar gargalos que já pressionam fortemente os custos de nossa cadeia produtiva, num momento em que as empresas brasileiras precisam conquistar competitividade global sob risco de perder mercados.
Cabe lembrar que o percentual de investimentos em infraestrutura de transportes atualmente no Brasil é de apenas 2,5% do Produto Interno Bruto, de acordo com levantamentos da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Calcula-se que, para eliminar os déficits nos transportes seria necessário investir ao menos 5% do PIB anualmente, por quase uma década. Ressalte-se que para cada 1% de investimentos em infraestrutura é possível obter uma variação positiva de 0,39% do PIB e de 0,61% da renda nacional, de acordo estudo da Fundação Getúlio Vargas.
O atual Plano Nacional de Logística e Transportes (PNLT) do governo federal, em implementação, embora tenha aportes da ordem de R$ 291 bilhões, por si só não é suficiente para eliminar os contraproducentes congestionamentos nos portos e aeroportos – nesses mais perceptíveis pelo público – ou melhorar as deficiências das malhas rodoviária e, sobretudo, ferroviária.
A maior parte das obras abrangidas pelo PNLT está, na verdade, relacionada a projetos de caráter de emergência, paliativo, cujo objetivo principal é restabelecer condições mínimas de utilização das estruturas já existentes. É o caso, por exemplo, do Programa Nacional de Dragagens, que visa a recondicionar os canais de acesso aos terminais portuários, ou ainda a recuperação do asfalto das rodovias federais, nas conhecidas, mas nem tão eficientes, operações emergenciais “tapa-buracos”.
Como são obras para sanar deficiências e não agregar equipamentos e ativos, esses projetos não serão capazes de fazer com que o país alcance um novo patamar no que toca a infraestrutura de transportes.
Oportuno lembrar que a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016, a serem realizadas no Brasil, impõem desafios ainda maiores, exigindo mais rapidez no estabelecimento das estratégias a serem adotadas – sob risco de um colapso completo em aeroportos, portos, rodovias e até ferrovias.
Demanda por infraestrutura represada tem impacto negativo na economia. Os custos logísticos no Brasil representam 11,5% do PIB (mais de R$ 230 bilhões por ano), enquanto nos EUA estão na cada dos 5%, o que faz toda a diferença em termos de produtividade e competitividade. Na China e em outros países emergentes – concorrentes diretos do Brasil – o percentual é próximo ao dos EUA.
A questão da perda de competitividade devido a deficiências estruturais é particularmente relevante num momento em que o real valorizado, decorrente de fatores externos - em particular a política monetária expansionista norteamericana e alta dos preços das commodities – dificulta a inserção dos produtos nacionais no mercado internacional.
Na busca de uma nova estratégia para a infraestrutura de transportes será indispensável considerar algumas distorções que agravam os gargalos. A primeira delas é ausência de mecanismos que contribuam para a efetiva integração intermodal. Nesse sentido, uma série de barreiras de ordem regulatória e tributária, como legislação diferenciada entre os estados, ou mesmo normas de seguro não padronizadas, além da falta de interconexão adequada entre portos-aeroportos-ferrovias-portos, deve ser eliminada.
Outro ponto importante seria criar mecanismos que permitam a migração de um percentual maior das cargas das rodovias para outros modais, de custos inferiores, em especial a ferrovia. A mudança é importante tendo vista as dimensões continentais do país. As rodovias nacionais transportam 60% de nossas cargas, enquanto em países similares, em extensão territorial, como Austrália, EUA e Canadá, esse percentual é inferior a 30%. Na China, o índice é de 8%. Nesses países, ferrovias e transportes fluviais e de cabotagem têm ênfase.
Por fim, como a capacidade de investimento do governo esbarra em limites orçamentários, é indispensável estabelecer normas que facilitem a participação de empreendedores nessa nova onda de investimentos em infraerstrutura de transportes. Regras que dificultam a ação da iniciativa privada no setor devem ser reavaliadas. Até porque os exemplos de gestão privada em portos e aeroportos são auspiciosos.
A questão não deve ser vista apenas como uma meta de governo, mas como uma diretriz de Estado, com visão de longo prazo e ações para serem implementadas imediatamente.
8. JORNAL DO COMÉRCIO - 4 DE AGOSTO DE 2010
Eleições e mídia
Nilson Mello *
O grande espaço dado pela mídia às eleições não tem sido capaz de transformá-las em assunto estimulante. A ampla cobertura do pleito até se justifica pelo papel que os meios de comunicação devem exercer entre as instituições democráticas - que é o de manter a sociedade informada do que diz respeito ao seu destino.
Dar transparência ao que se relaciona aos candidatos e às normas eleitorais equivale a dar transparência aos atos públicos de maneira geral. Nesta linha de raciocínio, que justifica a ênfase sazonal, Thomas Cooley, constitucionalista americano do século XIX, escreveu:
"A imprensa (...) registra os acontecimentos do dia a fim de apresentá-los aos leitores (...). A sua importância capital, então, consiste em facilitar ao cidadão o ensejo de trazer perante o tribunal da opinião pública qualquer autoridade e o próprio governo, compelindo-os a se submeterem a um exame e a uma crítica sobre sua conduta. Do mesmo modo, serve para sujeitar a idêntico exame, e com fins idênticos, todos aqueles que aspiram a função pública."
Dar ampla cobertura às eleições é, portanto, dever indiscutível dos meios de comunicação, assim como, procurar manter-se informado, acompanhando o noticiário, é a contrapartida dos eleitores. Contudo, a repetição de uma retórica demagógica, mais relacionada a atos de vontade do que a programas exequíveis de Estado, e de escândalos que não escandalizam mais, transformou o que essa mesma demagogia chama de "festa da democracia" num aborrecido processo midiático.
O horário gratuito eleitoral - que não é informação jornalística. mas propaganda compulsória - tende a exacerbar a sensação de enfado, gerando mais indiferença ou desdém no público do que interesse, ainda que muitos acabem decidindo o seu voto por ele.
Qaundo essa cobertura será mais interessante? Talvez no dia em que o leitor estiver mais qualificado, obrigando os meios de comunicação a uma análise mais criteriosa e sutil do processo. E impondo ao candidato e, por conseguência, ao eleito (parlamentar e governante), o fim da demagogia em prol do conteúdo. O culpado, no fim das contas, ainda é o Estado, incapaz de garantir a plena qualificação do leitor em 20 anos de democracia.
No dia 3 de outubro, 133 milhões de brasileiros, 69% da população, deverão ir às urnas fazer suas escolhas entre 25 mil postulantes, na 12ª eleição desde 1988, marco da redemocratização. De acordo com o instituto Vox Populi, a maior fatia dos eleitores, hoje, já tem o ensino médio completo, o que não ocorria nas eleições anteriores.
Essa evolução, desde que não seja mera mudança formal, ou seja, desde que o ensino médio esteja, de fato, preparando os brasileiros, não deixa de ser um alento para que, num futuro não muito remoto, possamos assistir a um noticiário eleitoral estimulante. E, mais importante do que isso, possamos, em conjunto, aperfeiçoar as escolhas de parlamentares e governantes.
* Diretor da Meta Consultoria e Comunicação
9. ARTIGO PARA A REVISTA TRANSPODATA - JULHO DE 2010
A Modernização dos Portos
O Brasil precisa de uma nova leva de investimentos em terminais portuários, a fim de garantir o desenvolvimento de seu comércio exterior e livrá-lo dos gargalos que minam a sua competitividade. Neste sentido, convém avaliar se as operações realizadas em àrea privativa, distinta do porto público organizado, devem-lhe ser equiparadas para sujeição às mesmas regras que regem as concessões. Tal equiparação atenderia aos interesses da sociedade?
A questão estimula um debate sobre o Decreto 6.620 de outrubro de 2008, o novo marco regulatório do setor. Estabelecendo regras restritivas ao empreendedor não previstas na Lei dos portos (Lei 8.630 de 1993), de caráter eminentemente liberal e em relação a qual deveria se pautar, o referido Decreto obriga os terminais privativos de uso misto a movimentar carga própria de forma preponderante.
Parece indiscutível que tal decreto visa a preservar os terminais públicos arrendados de uma concorrência mais ampla. Sabemos que tais terminais enfrentam uma série de custos não incidentes nos novos terminais privativos de uso misto, em especial os relacionados à mão de obra.
Mas então a pergunta que devemos fazer é se, neste contexto, ao invés de estruturar regra inibidora à franca concorrência, a solução mais razoável não seria a de desonerar os terminais públicos arrendados, promovendo, aí sim, uma ampla e benéfica liberdade de mercado? Isto geraria indiscutíveis vantagens para os usuários, mormente a redução dos custos.
E, ainda, se ao criar regra tão restritiva, não estará o marco regulatório impondo inadmissível barreira aos empreendimentos no setor, em afronta ao espírito da própria Lei dos Portos e na contramão de modernização que o Poder Público, alegadamente, pretendia promover?
Os críticos dessa solução lançam mão de um argumento falacioso para desqualificá-lo. Alegam que a ampla abertura promoveria uma "favelização portuária", pelo excesso de terminais que seriam implantados. Como se esses vultosos investimentos pudessem ser inelásticos e não levassem em consideração demanda e outros aspectos econõmicos-financeiros que por si só os limitam.
Com a regra restritiva do Decreto - somada á insegurança jurídica que lhe é inexorável - pode-se prever um desestímuloaos novos projetos. Ressalte-se que, a rigor, uma empresa de logística, operadora do setor portuário, não dispõe de carga própria, haja vista que a sua atividade-fim é justamente prestar serviços financeiros.
O impactos negativo que se delineia com o advento do novo marco regulatório é gigantesco, sobretudo se observada a crescente importância dos terminais privativos de uso misto para a amnutenção do fluxo de nosso comércio. Tudo considerado, espera-se que o novo marco regulatório mereça a devida revisão em futuro próximo.
10. GUIA MARÍTIMO - 10 DE MAIO DE 2010
Direito Adquirido e Modernização dos Portos
No ordenamento pátrio, o direito adquirido encontra previsão expressa no artigo 5°, inciso XXXVI da Constituição Federal de 1988: “A lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. Cabe salientar que esses direitos fundamentais, a exemplo de outros previstos no Título II da Constituição, têm como destinatários não apenas as pessoas naturais, mas também as pessoas jurídicas, sendo este hoje o entendimento pacífico de Doutrina.
Neste sentido, ensina o constitucionalista José Afondo Silva: “vários dos direitos arrolados no artigo 5° da Constituição se estendem às pessoas jurídicas, tais como o princípio à isonomia, o princípio da legalidade (...), o direito de propriedade, a garantia ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e a coisa julgada (...)”
Consideram-se adquiridos os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, possa exercer como aqueles cujo começo do exercício tenha termo prefixo, ou condição preestabelecida inalterável a arbítrio de outrem, conforme define a Lei de Introdução ao Código Civil, no parágrafo 2° de seu artigo 6°. O ato jurídico perfeito, também previsto no referido inciso do artigo 5° da Constituição, é a raiz fundamental que faz surgir o direito subjetivo.
Assim, a defesa do direito adquirido, em matriz constitucional, impõe ao ente público, nas diferentes esferas, a observância à regra-princípio da irretroatividade das normas. Vale destacar que esse princípio é de tal importância para a coesão do ordenamento, e por conseqüência para a preservação da estabilidade jurídica, que, em sede penal, a Lei prevê a retroatividade apenas nos casos em que a norma seja benéfica para o réu.
Da mesma forma, em âmbito tributário, a Constituição Federal veda a cobrança de tributos relativamente a fatos geradores ocorridos antes da vigência da Lei que os houver instituído ou aumentados (art. 150, inciso III, alínea “a”). Percebe-se que, em determinados casos, é justamente a observância da legalidade, ou seja, a imposição da norma concreta de forma indiscriminada, que inviabiliza a segurança jurídica, da qual a irretroatividade sobrevém como um subprincípio.
Reconhece-se que, grosso modo, a aplicação de normas com efeito ex-tunc nos contratos entre a Administração e concessionários de serviços é admissível, uma vez que nesses casos, outro princípio – o da indisponibilidade do interesse público – impõe a flexibilidade contratual a partir de interferência estatal. Ainda assim, pressupostos devem estar presentes para justificar o afastamento do ato jurídico perfeito.
Além disso, convém se discutir se as operações realizadas em área privativa, distinta do porto público organizado, devem a ele ser equiparadas – como prevê o novo marco regulatório – para sujeição às mesmas regras que regem as concessões. Tal equiparação atenderia aos reais interesses da coletividade?
A multa aplicada em março pela Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) à Portonave S/A – Terminais Portuários de navegantes, complexo portuário de Itajaí-Açu, em Santa Catarina, teve fulcro no Decreto 6.620 de outubro de 2008, o novo marco regulatório do setor portuário.
A decisão da Antaq é ilustrativa da presente análise. Conforme justificativa apresentada na ocasião pelo empreendedor e divulgada na imprensa, sua outorga de operação é anterior à norma que daria suporte à multa.
Portanto, com base no que vem sendo divulgado, o ente público teria expandido de forma retroativa norma infralegal visando a alcançar situação já estabilizada, desconsiderando atos jurídicos perfeitos (a outorga de operação e outras resoluções administrativas). O interesse público foi, de fato, preservado? Há razoabilidade na decisão?
A discussão extrapola o campo de ação das partes envolvidas e passa a interessar a toda a sociedade, em especial se considerarmos que a segurança jurídica é um princípio indispensável ao desenvolvimento econômico e, por conseqüência, ao bem-estar social.
Paralelamente, o episódio estimula uma discussão acerca do novo marco regulatório dos portos e de sua validade como instrumento promotor e indutor da modernização e melhora da eficiência. O debate não é alheio aos operadores de direito – sendo, portanto, apropriado a este espaço – uma vez que a pretendida eficiência não poderá ser alcançada senão em ambiente de livre concorrência, princípio igualmente expresso na Constituição Federal (Artigo 170, inciso IV).
Estabelecendo regras restritivas ao empreendedor não prevista na Lei dos Portos (Lei 8.630 de 1993), de caráter eminentemente liberal e em relação a qual deveria se pautar, em observância ao princípio da hierarquia das normas, o referido Decreto obriga os terminais privativos de uso misto – caso da Portonave S/A – a movimentar carga própria de forma preponderante. Frise-se que o não cumprimento da regra, que é posterior à outorga do empreendimento mencionado, motivou a aplicação de punição.
Ao apreciar o processo que culminou com a multa, o seu relator destacou que a “movimentação de carga própria em quantidade inferior a 1% ofende a razoabilidade da operação portuária e conflita com a prática concorrencial vigente no mercado”. Infere-se que o relator visava a resguardar de uma possível concorrência injusta os terminais públicos arrendados, em oposição aos novos terminais privativos.
A parte interessada saberá, por meio de seus representantes, mobilizar os corretos argumentos em sua defesa. O que deve questionar, a partir de agora – e esta passa a ser a discussão mais importante para a sociedade – é se o novo marco regulatório, ao criar regra tão restritiva, não estará impondo inadmissível barreira aos empreendimentos no setor, em afronta ao espírito da própria Leio dos Portos e na contramão da modernização que o Poder Público, alegadamente, pretendia promover.
Parece indiscutível que a regra restritiva tem o fito de preservar os terminais públicos arrendados de uma concorrência mais ampla. Sabemos que tais terminais enfrentam uma série de custos não incidentes nos novos terminais privativos de uso misto, em especial os relacionados à mão de obra.
Mas então a pergunta que devemos fazer é se, neste contexto, ao invés de estruturar regra inibidora à franca concorrência, a solução mais razoável não seria a de desonerar os terminais públicos arrendados, promovendo, ai sim, uma ampla e benéfica liberdade de mercado, o que geraria indiscutíveis vantagens para os usuários, mormente a redução dos custos.
Com a regra restritiva – somada à insegurança jurídica que lhe é inexorável – pode-se prever um desestímulo aos novos projetos. Ressalte-se que, a rigor, uma empresa de logística, operadora do setor portuário, não dispõe, em princípio, de carga própria, haja vista que a sua atividade-fim é justamente prestar serviços movimentando cargas de terceiros.
O impacto negativo que se delineia com o advento do novo marco regulatório é gigantesco, sobretudo se observada a crescente importância dos terminais privativos para a manutenção do fluxo de nosso comércio exterior. Vale lembrar que pelos terminais da Portonave passaram 46% das exportações e 43%das importações em cargas conteinerizadas de Santa Catarina em 2009, e 26% das exportações e 34% das importações da Região Sul correria risco de colapso.
O caso enseja uma complexa discussão jurídica, pois uma série de princípios é colocada em jogo. Todavia, por sua importância estratégica para o país, a questão não deve estar limitada ao debate técnico-legal, embora, pela mesma razão, o Direito não possa de forma alguma estar alheio aos seus desdobramentos.
11. O GLOBO - 26 DE MAIO DE 2008
Liberdade nos Portos
A senadora Ildeli Salvati, do PT catarinense, discursou recentemente no senado contra os terminais portuários privativos. Segundo ela, esses projetos constituem uma concorrência desleal com os portos públicos. Na verdade, tendem a ser mais eficientes, e por isso são tão necessários.
Calcula-se em 60 berços de atração para os navios porta-contêineres o déficit estrutural nos portos brasileiros. Os portos públicos arrendados sob regime de consessão na década de 1990 já operam no limite de sua capacidade.
O elevado tempo de espera para atração das embarcações nos principais portos brasileiros é fator prejudical aos interesses nacionais, na medida em que pressiona custos e compromete a competitividade no setor produtivo. Demora em porto é sempre sinônimo de prejuízo.
Ciente dos gargalos representados pelo esgotamento da capacidade logística, a agência responsável pela regulação e fiscalização do setor, a Antaq, tem procurado agilizar a outorga de autorizações de terminais privativos de uso misto (que movimentam carga própria e de terceiros).
Com tudo, os arrendatários dos terminais públicos, que atuam sob o regime de concessão, organizam-se neste momento, para impedir a operação desses terminais privativos alegando sua "ilegalidade" e o risco de promoverem "uma competição desenfreada" no setor.
Por meio da entidade que os representam, propuseram no Supremo Tribunal Federal (STF) uma arguição de descumprimento de preceito fundamental, com pedido de liminar, visando a questionar autorizações concedidas pela Antaq e, conseqüentemente, impedir a disseminação deste tipo de empreendimento.
A insegurança jurídica decorrente dessa demanda desestimula novos investimentos e paralisa os já em curso, justamente num momento em que o Brasil precisa eliminar gargalos e ampliar a sua capacidade de logística no setor.
O argumento da ilegalidade levantado na argüição é inconsistente, uma vez que a Antaq tem o amparo da própria constituição federal - que, em seu artigo 21, incido XII, alínea F, dispões que os portos podem ser explorados mediante autorização. Tem ainda o respaldo expresso da lei 8.630/93 (Lei de Modernização dos Portos) e da lei 10.233/01 que criou a agência.
Na verdade, a argüição encaminhada ao Supremo tenta encobrir o verdadeiro motivo que leva os arrendatários de portos públicos a se insurgir contra os novos terminais privativos: o temor de uma maior competição no setor de logística portuária, algo que beneficiaria todos os usuários de tranporte marítimo e de serviços portuários.
Válido dizer que os terminais privativos de uso misto exigem investimentos de grande soma, em projetos que chegam R$ 1 bilhão. Em função dos pesados investimentos, os projetos reúnem investidores de diferentes segmentos, desde empresas especializadas em transporte e logística a instituições financeiras.
Tal característica por si só contribui para a pulverização dos interesses e a prevenção de monopólios liderados por um grupo hegemônico, características que se harmonizam com o princípio da livre concorrência.
É válido lembrar ainda que arrendatários dos terminais públicos também podem investir em terminais privativos, em igualdade de condição com os novos players - o que gera mais concorrência.
O Brasil precisa aumentar seus investimentos no setor portuário, a fim de atender à crescente demanda do comércio exterior. O poder público esgotou a sua capacidade de investimento, até porque elegeu outras prioridades fiscais.
Assim, os terminais privativos de uso misto constituem a única possibilidade de ampliação e de modernização da logística portuária. E, uma vez que são autorizados e fiscalizados por órgão competente, que age em conformidade com a lei, não há qualquer justificativa para impedir a sua instalação e o seu funcionamento.
Ao levar a questão à justiça, os concessionários de terminais públicos defendem seus interesses. Ao tomar seu partido, ainda que indiretamente, a senadora Ideli Salvati age de boa-fé, mas comete um equívoco. Coibir a expansão dos terminais privativos equivale a perpetuar, no setor portuário práticas patrimonialistas - aquelas em que o estado beneficia poucos em detrimento de muitos.
O Brasil já teve uma lei reserva na informática, não precisa de uma Lei de Reserva dos Portos.
12. JORNAL DO COMMERCIO - 28 DE DEZEMBRO DE 2006
Peso do ICMS na importação
O Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) é o tributo estadual por excelência, com incidência sobre a comercialização de produtos. Está ligado à atividade do comércio, o que implica ser o contribuinte, em tese, um estabelecimento que promove a circulação de produtos mediante sua compra e venda, daí obtendo lucro.
Contudo, não obstante tal conceito não encontrar amplo espaço na doutrina, nossos legisladores ampliaram a esfera de abrangência do ICMS, quando da importação de equipamentos, inclusive utilizados para fins médicos-hospitalares.
Para tanto, a Emenda Constitucional nº 33/2001 alterou a alínea "a", do inciso IX, parágrafo 2º do artigo 155 da Constituição Federal, de modo a transformar em contribuinte do ICMS qualquer importador de bem, ainda que não "contribuinte habitual" do imposto. Criou-se uma nova categoria de contribuinte, num caso típico do "autoritarismo constitucional", se assim é possível classificar tal decisão.
As secretarias da Fazenda dos estados já vinham cobrando o ICMS das entidades médico-hospitalares na importação antes mesmo da edição da EC nº 33/2001, num arroubo de desrespeito à legislação que deu margem a inúmeros questionamentos na Justiça.
Ressalte-se que o antigo texto constitucional era claro ao estabelecer como requisito para a incidência do ICMS ser o importador do equipamento estabelecimento comercial e, portanto, um contribuinte.
As demandas ao Judiciário tão foi objeto de julgamento do Supremo Tribunal Federal: "Até a vigência da EC n° 33/2001, não incide ICMS na importação de bens por pessoa física ou jurídica que não seja contribuinte do imposto”, como consta da Súmula n° 660.
É indispensável salientar que as entidades médico-hospitalares importam equipamentos a fim de aperfeiçoar os serviços prestados ao público, sendo que a maioria desses equipamentos incorpora tecnologias avançadas não disponíveis no país. Não se trata de produtos passíveis de comercialização (mercadorias), mas bens a serem utilizados na preservação da vida.
Dessa forma, ao equiparar prestadores de serviços a comerciantes, para efeito de recolhimento de ICMS incidente nas importações, a EC n° 33/2001 ampliou a arrecadação, mas não fez justiça.
Ações em tribunais em todo o País hoje discutem não apenas sua constitucionalidade como a necessidade de lei ordinária regulamentando a cobrança na importação feita por não comerciantes.
Em suma, caso típico de iniquidade engendrada pelo Legislativo em benefício dos cofres públicos, mas em prejuízo da sociedade. A questão é oportuna porque ilustra de forma clara a relação de causa e efeito entre nossa confusa e irresponsável produção legislativa e o chamado custo-Brasil, representado pelo excesso de tributos e demandas ao Judiciário, entre outras.
13. GAZETA MERCANTIL - 7 DE JUNHO DE 2006
O projeto que recria a Super-Receita
Busca de eficiência do governo visa apenas alimentar sua sanha arrecadadora
Já foi dito que a maldade é um poderoso elemento do progresso humano. Kant reconheceu a grande força social das “piores paixões”, rol em que podemos incluir a ganância, a mesquinharia, a avareza. O sociólogo francês Gustavo Le Bon (ironia no próprio nome) foi longe ao afirmar que, se os homens tivessem seguido o Evangelho, amando uns aos outros, em vez de obedecer aos seus instintos naturais, a “humanidade ainda vegetaria” como nos tempos da cavernas.
Convém, então, verificar se as instituições, assim como os homens, são capazes de exercer as “piores paixões” como se fossem entes autônomos, providos de desejos rasteiros. Ou se produzem efeitos nefastos pela soma das ações individuais de seus integrantes. E se desse comportamento pode-se esperar algum tipo de progresso como efeito colateral.
No caso brasileiro, a perversidade estatal está mais do que comprovada. Falta saber se será capaz de produzir algum beneficio. Até aqui o balanço é sabidamente negativo. Tome-se como exemplo a assimetria existente entre o que entregamos ao Estado – ou, para ser mais preciso, entre o que o Estado nos toma – e o que recebemos em troca.
Quando se trata de arrecadar, entra em operação uma azeitada máquina cuja voracidade abocanha 37,8% do Produto Interno Bruto (PIB). Nos últimos cinco anos, o peso dos tributos cresceu mais de 5% em relação ao PIB. O retorno dessa voracidade ninguém vê, mas o governo quer mais.
Agora está prestes a conseguir a aprovação, no Congresso, do projeto que recria a Super-Receita (a primeira MP caducou no Legislativo no ano passado). O objetivo da Super-Receita é unificar os órgãos de arrecadação dos tributos federais e das contribuições previdenciárias e, com isso, combater a sonegação e aumentar a arrecadação. Nada contra o governo querer ser eficiente. Ao contrário. O problema é buscar a eficiência apenas para alimentar sua sanha arrecadadora, e da forma errada. Poderia gastar menos e melhor – o que é quase um pleonasmo – diminuindo as despesas de custeio e destinando mais recursos aos investimentos estruturais. As próprias Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) já poderiam cumprir esse papel, se não fossem desviadas de tais investimentos para outros fins, conforme constatação do Tribunal de Contas da União (TCU).
O superávit primário recorde obtido no ano passado não resolve: a dívida pública ainda equivale a mais da metade do PIB (51,6%). É preciso uma mudança de mentalidade que reduza o tamanho do Estado, sua dívida e a taxa de juros que a realimenta.
Mas, já que o governo aprecia gastar, poderia se esmerar em criar uma Super-Saúde, Super-Infra-estrutura de Transportes, uma Super-Segurança-Pública. Ao menos haveria grandeza no gesto. Este ano, por sinal, milhões de idosos em todo o País passaram por dificuldades enquanto aguardavam a Receita Federal liberar suas restituições do imposto de renda. A exemplo do ano passado, caíram na malha fina porque o poder público desconfiava dos “gastos excessivos” com médicos e medicamentos.